Hemofilia: “O meu filho ficou duas semanas internado quando lhe nasceu um dente”

No Dia Mundial das Doenças Raras a SÁBADO falou com uma mãe de duas crianças com hemofilia. A doença, que ganhou destaque nos anos 80, 90 com o caso dos doentes hemofílicos contaminados com HIV nos hospitais públicos, afecta um em cada 10.000 recém-nascidos em Portugal e é, por isso, considerada uma doença rara.

Teresa Pereira pouco conhecia a doença quando o seu filho, Gonçalo, então com três anos, foi diagnosticado nas urgências do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. O susto inicial foi-se diluindo com a rotina dos tratamentos e, poucos anos depois, Teresa voltou a ser mãe.

“Soubemos que o Gonçalo tinha hemofilia quando, em 2009, tinha ele três anos, sofreu uma hemorragia interna nos músculos dos gémeos. Antes fazia facilmente nódoas negras, mas nunca pensámos que fossem exageradas. Dessa vez, a perna ficou inchadíssima e ele queixava-se de dores. Fomos às urgências do Hospital de Santa Maria a pensar que, talvez, ele tivesse partido a perna.

Os médicos fizeram vários exames e foram nas análises ao sangue que se verificou que ele tinha um tempo de coagulação muito elevado. O sangue não coagulava como deveria.

Ficámos a saber que as hemorragias internas são, muitas vezes espontâneas, e que, enquanto o nosso organismo as resolve sem nós darmos conta, o organismo do Gonçalo não tinha capacidade para resolvê-las e elas continuavam a sangrar.

 

Receber o diagnóstico
Na altura, ficámos preocupados. O que eu sabia da doença era o que tinha aprendido na escola sobre a rainha Vitória e os czares da Rússia [a rainha britânica era portadora o passou a doença hereditária às filhas que, através do casamento, a levaram para várias famílias reais europeias, incluído os czares da Rússia].

Nunca tinha havido caso algum na minha família. Ficámos bastante surpreendidos, queríamos saber o que era, como tinha surgido, o que fazer e como seria o futuro do meu filho.

Das urgências, fomos encaminhados para o serviço de sangue onde hematologistas nos explicaram tudo. Fiquei a saber que a doença surgiu precisamente comigo e que Gonçalo tinha hemofilia A grave, ou seja tinha deficiência de factor VIII [essencial no processo de coagulação] e um factor de coagulação inferior a 1%, portanto quase sem coagulação.

O tratamento aconselhado era fazer prolifaxia com a administração por injecção na veia de factor VIII, três vezes por semana. Por norma, consegue-se que os valores deste factor fiquem regularizados e consegue-se ter uma vida mais ou menos normal.

 

Hemofílicos inibidores
Mas nós temos uma dificuldade acrescida: o Gonçalo desenvolveu anticorpos ao factor VIII que acabava por ser eliminado. É o que se chama um inibidor. Primeiro tentámos que o Gonçalo deixasse de ser inibidor ao introduzir factor VIII todos os dia para ver se o organismo se habituava.

Em cerca de 80% dos casos tem-se sucesso, mas no caso do Gonçalo não aconteceu. Tentámos durante três anos e foi um massacre: todos os dias a levar injecções e os valores de factor VIII sempre baixos. Desistimos.

Nestes casos temos que deixar as crianças crescer um pouco para que tenham veias mais resistentes ao tratamento.

 

Fonte: Sábado (28/02/2018)

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