O Enfermeiro está sempre presente na vida do hemofílico
Em Portugal, estima-se que existam cerca de 800 doentes com Hemofilia, uma doença rara e hereditária que afeta a coagulação do sangue e que provoca hemorragias frequentes.
O que é a Hemofilia e qual a sua incidência?
A Hemofilia consiste num distúrbio da coagulação hereditário, onde existe uma deficiência orgânica congénita no processo da coagulação do sangue. Tem transmissão genética, ligada ao cromossoma X, e, por isso, aparece quase exclusivamente nos indivíduos do sexo masculino. Caracteriza-se pela ausência ou acentuada carência de um dos factores da coagulação
Quais as principais manifestações da doença?
Na hemofilia a coagulação é mais demorada ou inexistente provocando hemorragias frequentes, especialmente a nível articular e muscular. Por ser uma doença hemorrágica as principais manifestações são as hemorragias e consequentes hematomas a nível dos grandes músculos e a nível articular.
E quais a principais complicações?
A principal complicação tem que ver com a mobilidade: as hemorragias podem causar lesões articulares que influenciam a capacidade motora das pessoas com hemofilia. Tal pode trazer constrangimentos nos movimentos e na capacidade de andar, o que, por sua vez, afeta a rotina diária das pessoas com hemofilia – por exemplo, muitas vezes, devido a uma hemorragia espontânea a pessoa tem de se deslocar ao hospital, faltando aos seus compromissos, como o trabalho ou a escola.
Qual o tratamento indicado para esta coagulopatia? Qual a importância de uma profilaxia personalizada?
O tratamento da hemofilia consiste na substituição do fator em falta, nomeadamente o fator VIII no caso da hemofilia A e o fator IX no caso da hemofilia B.
A reposição do fator em falta pode realizar-se no momento de hemorragia clinicamente ativa, em resposta a uma hemorragia espontânea, ou pode ser feita de forma profilática, com a administração contínua e regular de fator, de forma a prevenir qualquer evento hemorrágico.
Na minha opinião a profilaxia personalizada é, atualmente, a melhor opção. Quando mais cedo for iniciada melhor, pois permite evitar as hemorragias espontâneas e consequentes complicações.
A personalização é fundamental porque cada caso é um caso e cada pessoa é uma pessoa. Fazer profilaxia 2 a 3 vezes por semana é o padrão, mas, por exemplo, imagine alguém com hemofilia A que tenha de fazer alguma atividade física. Antes de exercitar deve garantir que o fator está num nível que permite fazer o desporto em segurança, por isso, torna-se ainda mais relevante adaptar o seu tratamento à sua rotina, para que esteja protegido nos momentos chaves do dia onde precisa da proteção.
No âmbito desta temática, qual o papel do enfermeiro no atendimento/tratamento do hemofílico? Qual a sua importância? E quais os principais desafios?
Há mais de 30 anos que lido com hemofílicos e vejo que o acompanhamento da enfermagem é fundamental em complemento à parte médica. O enfermeiro está sempre presente na vida do hemofílico.
Nós, enfermeiros, acabamos por ser confidentes destes doentes, somos a proximidade e a família. Apoiamos todo o processo através de diálogo, empatia, esclarecimentos e preocupação. O enfermeiro tem um papel fundamental na autonomia do doente: ensinar, esclarecer e guiar os pais e doentes nos processos de administração do fator, mas também, de conservação, preparação e transporte da medicação.
O principal desafio é dar a autonomia que a pessoa precisa. Por exemplo, uma família que tem receio de ir de férias com o filho hemofílico, é necessário confortá-la e prepará-la para que compreenda que a doença não é um impeditivo.
Sabendo que, por exemplo, em ambiente hospitalar, não se deve utilizar medicação intramuscular e medicamentos que aumentem o risco de sangramento, quais os principais cuidados de enfermagem a um doente hemofílico?
Isto é muito relativo, pois conhecendo a doença e as situações onde é necessário utilizar medicação intramuscular conseguimos suprir esse risco. Por exemplo, se um doente chega a uma urgência porque tem uma amigdalite e um médico aconselha fazer uma penicilina – sendo um doente hemofílico antes dessa injeção deve fazer o fator. Aí, a equipa de enfermagem faz o fator antes da injeção e reduz o risco e a gravidade de sangramento.
Como podem ser prevenidas as hemorragias? E como são tratadas as crises hemorrágicas?
As hemorragias espontâneas são prevenidas através da profilaxia feita com base num estudo farmacocinético. Já as crises hemorragias devem ser tratadas administrando o fator em falta.
Na sua opinião, os profissionais da área da saúde estão devidamente informados/sensibilizados para os cuidados a ter com estes doentes?
Nem todos. Estamos a falar de uma doença rara que tende a ser acompanhada em centros de referência. Por isso, penso que fora destes centros de referência, como por exemplo em centros de saúde, a sensibilidade seja mais reduzida.
O que poderia melhorar?
Ao nível da medicação a indústria farmacêutica já tem produtos muito bons que, quando conjugados com testes farmacocinéticos e em cumprimento com as indicações que o médico faz sobre profilaxia, permitem à pessoa com hemofilia ter qualidade de vida e viver com zero hemorragia. No que respeita a toda comunidade, poderíamos melhorar a divulgação de informação sobre hemofilia – em escolas, em centros de saúde e outros hospitais.
Neste âmbito, que conselhos úteis gostaria de deixar? Não só aos doentes e suas famílias, mas também aos profissionais e população em geral…
Aos hemofílicos, aconselho que nunca deixem ou descuidem a profilaxia. Aos profissionais, aconselho a aposta na formação contínua para conhecermos melhor a doença e podermos dar um apoio cada vez melhor à comunidade.
Fonte: Atlas da Saúde